Artigo publicado em 12/06/2017 na coluna de Marcia Dessen para o Jornal Folha de S. Paulo
Antigamente, muitas pessoas decidiam morar junto, juntar os trapos, como era comum a referência a esse tipo de relacionamento. Acontece que essa informalidade, essa aparente falta de compromisso, fazer de conta que não são casados e, portanto, isentos dos mesmos direitos e obrigações dos casamentos formais, foi mudando com o passar dos anos.
A união estável elevou o status desse relacionamento informal e, mais recentemente, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu equiparar a união estável ao casamento quando o assunto é herança.
Como assunto de família é coisa séria e complicada, vou tentar explicar o assunto contando uma história, explicando como era antes e como ficou, depois da decisão que considerou inconstitucional um artigo do Código Civil.
Um casal -José e Maria- vive em união estável e tem dois filhos. Como não se preocuparam em escolher o regime de comunhão de bens a ser adotado por eles, se aplica o regime da comunhão parcial de bens.
José já tinha um apartamento, comprado e pago antes da união com Maria. Durante a união, compraram uma casa para acolher os filhos e dar mais conforto à família. Poucos anos depois, José morre, sem deixar testamento.
Como será feita a partilha de bens? Os herdeiros são os filhos ou Maria também tem direito à herança? De acordo com o Código Civil e antes da última decisão do STF, a partilha seria feita da seguinte forma:
1. Os bens particulares (o apartamento que José tinha antes da união estável com Maria) seriam partilhados apenas para os dois filhos (50% para cada um). Maria só teria direito a herdar os bens particulares de José se não houvesse outros herdeiros.
2. Os bens comuns (a casa comprada durante a união estável) são propriedade de ambos os companheiros. Assim, metade desses bens continuaria sendo da Maria (é a chamada meação). A outra metade, a parte que pertencia a José, seria herdada por ela e os dois filhos, 1/3 para cada um.
Para apimentar (e complicar) um pouco a história, vale dizer que a regra se aplica somente no caso de os filhos serem do casal. Se os filhos fossem apenas de José, com outra mulher, Maria ficaria com metade do que cada filho teria direito, ou seja, dos 50% que pertenciam a José, cada filho herdaria 20%, e Maria, 10%.
Como o artigo 1.790 foi declarado inconstitucional pelo STF, no caso de morte, a partilha para os companheiros agora deve seguir a mesma regra da partilha para os cônjuges, como prevê o artigo 1.829 do Código Civil. Assim, no caso de José e Maria, a partilha será:
1. O apartamento de José (bem particular) será partilhado entre Maria e os dois filhos, 1/3 para cada um.
2. A casa comprada durante a união estável (bem comum) será partilhada da seguinte forma: Maria terá direito a 50% por meação. A outra metade será partilhada apenas entre os dois filhos, ou seja, cada um herdará 25% da casa. Importante dizer que não faz diferença se os filhos são do casal ou apenas do companheiro que morreu.
E se em vez de morte e herança a história fosse sobre um casal que decide se separar? Nesse caso, a partilha será feita de acordo com a regra anterior, já que a decisão do Supremo não trouxe alteração para a partilha por dissolução da união estável. Se estão todos vivos, porém separados, a partilha seria a seguinte:
1. o apartamento continua sendo apenas de José;
2. a casa será partilhada apenas entre José e Maria, 50% para cada um.
Outra coisa interessante, sinais dos tempos modernos, a decisão se aplica tanto a casais heteroafetivos quanto homoafetivos. E, como não sou autoridade no assunto, agradeço à advogada Luciana Pantaroto pela revisão técnica deste artigo.