Artigo publicado em 27/06/2018 no portal Arena do Pavini
Boa parte das pessoas só começa a pensar em planejamento sucessório — visando a transferência formal de patrimônio a seus beneficiários — quando estão em idade mais avançada ou por motivo de doença grave. No entanto, segundo especialistas na área, existem outras situações que podem e devem despertar o interesse nesse tema já no início da fase adulta. O nascimento dos filhos, casos de pais idosos ou doentes ou a posse de uma empresa familiar, entre outros cenários, impulsionam também os indivíduos mais jovens a buscarem estratégias para garantir o sustento desses familiares caso o pior lhes aconteça.
Caminho para minimizar custos e evitar conflitos
Considerando que isto pode ocorrer a qualquer momento, todas as pessoas devem pensar em sucessão, seja para buscar minimizar os custos (da transferência de bens), seja para proteger ou evitar conflitos entre os familiares após seu falecimento, orienta a planejadora financeira CFP® pela Planejar (Associação Brasileira de Planejadores Financeiros) Luciana Pantaroto.
Opções vão de testamento e doação, previdência privada, seguros de vida e fundos de investimento
Luciana explica que as formas mais comuns de planejamento sucessório são: o testamento, a doação em vida, a previdência privada, os seguros de vida, a criação de empresas (“holdings”), ou ainda a opção por fundos de investimentos e criação de estruturas no exterior. Todas essas formas, destaca, têm suas particularidades, vantagens, desvantagens e questões polêmicas, do ponto de vista jurídico, que precisam ser estudadas com profundidade antes da tomada de qualquer decisão, sendo portanto importante buscar informações e a orientação de um especialista no assunto.
Negócio próprio: ter um plano pode evitar prejuízo e perda de competitividade na transição
A situação geralmente se agrava quando a família possui um negócio próprio. Nesse caso, destaca a equipe da Mongeral Aegon, é indicado buscar não apenas um plano de sucessão bem estruturado, mas também capaz de evitar prejuízos e perda de competitividade durante o período de transição. “É importante se planejar desde o início da sociedade; imprevistos podem acontecer a qualquer momento e é preciso estar preparado para isso”, alerta a gerente de Produtos e Inteligência de Mercado da companhia, Patrícia Costa.
Contratação do seguro de vida ainda é feita por minoria no Brasil
Patrícia avalia que existe muitas vezes uma situação de desconhecimento sobre o tema. Basta ver que o seguro de vida ainda não está na cultura do brasileiro. “Em países desenvolvidos, esta cultura é mais forte; enquanto no Brasil estima-se que apenas aproximadamente 4% da população tenha seguro, nos Estados Unidos este número salta para 70%”, conta.
Soluções padronizadas podem levar a erro estratégico
Segundo a experiência de Luciana Pantaroto, um erro frequente é a implantação de determinada estratégia de planejamento sucessório sem analisar se é de fato a melhor opção, quando o correto é que isso seja feito de forma personalizada, levando em conta as particularidades e o momento de cada indivíduo.
Ela menciona que é comum recomendar-se às pessoas que possuem imóveis estruturar uma pessoa jurídica (“holding”), e então transferir a propriedade dos imóveis para a empresa, principalmente por questões tributárias, pois, de forma geral, a tributação nesses casos é mais benéfica à pessoa jurídica.
No entanto, dependendo da situação de cada indivíduo, essa estrutura pode ser desvantajosa do ponto de vista financeiro, explica a planejadora, lembrando que além dos custos de abertura e manutenção da empresa, a tributação pode ser mais alta para a pessoa jurídica em determinadas situações.
O exemplo citado serve, segundo a especialista, para mostrar que a mesma estratégia que traz economia para um indivíduo pode dar prejuízos para outro. “Por isso, é fundamental realizar um estudo personalizado antes de tomar qualquer decisão”, orienta Luciana.
Necessidade de um plano não se limita a quem tem patrimônio elevado
Embora a preocupação com a sucessão patrimonial tenda a ser proporcional ao valor do patrimônio, a planejadora lembra que situações familiares também podem desencadear essa necessidade, mesmo quando não há valores muito relevantes em jogo. Portanto, na visão dela, todas as pessoas deveriam se importar com a sucessão patrimonial.
“Em grande parte dos casos é possível reduzir os custos envolvidos na transmissão do patrimônio e, além disso, pode ser uma forma de garantir o sustento dos familiares e minimizar conflitos entre os herdeiros, após o falecimento do indivíduo”, destaca.
Existem soluções para diferentes portes de empresa
Patrícia Costa, da Mongeral Aegon, também diz que pensar em sucessão empresarial significa se preocupar com a sustentabilidade do negócio no caso da falta de um dos sócios, seja a empresa de que porte for.
Regras de sucessão e principais passos a seguir
Também é importante tentar conhecer as regras da sucessão. Luciana, da Planejar, diz que a lei prevê, por exemplo, que no mínimo 50% do patrimônio de uma pessoa deve ser destinado aos herdeiros necessários, que são, em resumo, os parentes mais próximos (filhos, pais, cônjuges, etc.). Caso a pessoa seja casada ou viva em união estável, o regime de bens escolhido pelos cônjuges também impactará a sucessão.
Outro ponto destacado por ela é a necessidade de entender quais são os objetivos almejados. Em geral, busca-se a redução da carga tributária, ou privilegiar um herdeiro, entre outras metas, que devem estar claras para a pessoa.
Após essas duas etapas, é preciso analisar as alternativas e escolher a estratégia de planejamento sucessório que esteja mais alinhada aos objetivos buscados.
Revisão periódica da estratégia é fundamental
É recomendado rever a estratégia periodicamente, para que esteja sempre alinhada às situações e objetivos almejados, que podem sofrer alterações ao longo da vida, enfatiza Luciana. E também para certificar-se de que o planejamento está de acordo com a legislação e jurisprudência, as quais constantemente sofrem alterações que podem trazer impactos à estratégia escolhida.
Patrícia Costa, da Mongeral, destaca ainda que é importante os interessados buscarem sempre orientação especializada, como a de um corretor especializado em seguro de vida, registrado e certificado na Superintendência de Seguros Privados (Susep); verificar se a seguradora é registrada na Susep e tirar todas as dúvidas com este profissional.
De olho no Imposto de Transmissão e Doação (ITCMD)
Os planejamentos de sucessão familiar e empresarial devem, portanto, considerar diversas alternativas, buscando evitar desgastes e discussões entre os envolvidos. Vale ainda lembrar, segundo a equipe da Mongeral Aegon, que o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) é uma das principais despesas que cercam a cessão de patrimônio, sendo necessário encontrar meios para driblar tais cobranças de forma lícita.
Confira algumas soluções e alternativas para o planejamento:
1 – Seguro de vida
— Contratar uma apólice de seguro de vida beneficiando os herdeiros é uma opção para simplificar o processo sucessório. O prêmio do seguro não entra no inventário e, portanto, não há incidência do ITCMD. Assim, a transferência de valores passa ser mais rápida e menos complicada;
Os sócios, no caso de sucessão empresarial, também podem contratar um seguro, favorecendo a própria empresa ― que adquire as cotas dos herdeiros do executivo falecido e providencia a redistribuição;
Nessa situação, a indenização costuma ser utilizada exatamente para a liquidação dessas cotas; além de servir como cobertura, alguns contratos oferecem a formação de uma reserva financeira. Também não há recolhimento de imposto de renda sobre o capital segurado. Assim, é mais fácil fazer a blindagem desse patrimônio contra a exposição judicial e a divisão de bens;
2- Plano de previdência privada
— Os planos de previdência privada não precisam passar por inventários e, na maioria dos Estados, estão isentos do ITCMD. Por isso, são opções inteligentes para proteger os herdeiros de gastos extras, por apresentar regras flexíveis;
É essencial, no entanto, analisar detalhadamente as propostas disponíveis no mercado, já que existem condições diferentes ― embora esses planos sejam regidos por uma legislação específica. E há casos de Estados que já aplicam o ITCMD também aos fundos VGBL.
3 – Conta conjunta
— A conta-corrente conjunta pode ser mais uma alternativa para agilizar os trâmites oficiais nos casos de sucessão patrimonial; dessa maneira, filhos e cônjuges podem movimentar parte dos valores sem a necessidade de autorizações especiais.
4 – Fundos imobiliários
— Os fundos imobiliários podem atender a famílias que possuem muitos imóveis. Os herdeiros recebem cotas e podem negociá-las para ter acesso aos recursos financeiros; essa modalidade permite a exploração dos imóveis por meio de venda ou locação, com a consequente distribuição dos rendimentos entre os favorecidos. Entre as principais desvantagens estão a falta de liquidez e a alta complexidade na gestão do fundo.
5 – Testamento
— O testamento é uma forma de garantir o destino dos bens de acordo com o desejo do titular. Contudo, esse mecanismo não elimina o inventário. Para quem tem herdeiros diretos, o testamento só pode determinar a repartição de 50% do patrimônio, sendo que o restante deve ser distribuído conforme previsto na lei.
6 – Transmissão do patrimônio em vida
— No caso da sucessão empresarial, é preciso considerar, ainda, a transmissão do patrimônio em vida ― com cláusulas que garantam a manutenção dos poderes dos sucedidos de forma vitalícia ou até uma data previamente determinada;
Em geral, esse processo envolve a constituição de uma holding, que passa a ser proprietária dos bens, com a doação ou venda de cotas e com reserva de usufruto;
Essa transação pode proporcionar um ganho tributário bastante significativo em comparação com as demais opções já citadas;
7 – Doação em vida*
Luciana Pantaroto lembra que a doação em vida também é uma opção que pode ser adotada pelo indivíduos que não possuem uma empresa. Em geral, os principais motivos para a doação em vida são: antecipar a distribuição da herança, privilegiar algum herdeiro, etc;
Como existem projetos de lei que dispõem sobre o aumento da carga tributária sobre doações e herança, antecipar a transmissão do patrimônio pode evitar que a transmissão ocorra no futuro e seja tributada por uma alíquota mais alta, caso algum desses projetos se transforme em lei;
Ao fazer uma doação em vida, é preciso observar os limites legais. Por exemplo: o doador não pode doar todos os bens em vida, sem deixar uma parte ou uma renda que seja suficiente para a sua subsistência; ainda, quando há herdeiros necessários, metade do patrimônio do doador deve ser reservada para eles. A doação deve ser feita de modo a respeitar a parte do patrimônio reservada a esses herdeiros;
A lei prevê ainda que doações de pais para filhos ou entre cônjuges são consideradas antecipação da herança legítima, exceto se houver previsão contratual ou em testamento dispondo em contrário;
A questão de considerar ou não considerar a doação em vida como adiantamento da herança pode impactar na parte do patrimônio destinada a cada herdeiro (pode favorecer um herdeiro em detrimento de outro), bem como nos custos no momento do inventário.
Fonte (1 a 6): Mongeral Aegon — *Fonte (7): Luciana Pantaroto/Planejar