Um pé no exterior e outro no Brasil

Artigo publicado em 25/06/2018 na coluna de Marcia Dessen para o Jornal Folha de S. Paulo

Quem deixa de residir no Brasil deve cuidar dos laços e dos bens que permanecem no país

Paula e Diego se mudaram para Londres para trabalhar. Marcelo se mudou para Miami para curtir a aposentadoria. Daniela se mudou para Milão para estudar e, quem sabe, iniciar uma carreira no mundo da moda.

Embora tenham comunicado a saída definitiva do país à Receita Federal, descobriram que os CPFs estão em situação irregular.

O que fizeram de errado ou deixaram de fazer para justificar essa irregularidade? Acontece que, além de comunicar a mudança para o exterior à Receita, outras medidas devem ser tomadas para evitar dores de cabeça no futuro.

Paula e Diego, por exemplo, proprietários de um imóvel no Brasil, decidiram alugar o apartamento enquanto vivem no exterior. Sempre ouviram dizer que os aluguéis são rendimentos tributáveis pela tabela progressiva, sendo o imposto recolhido mensalmente pelo carnê-leão. E assim o fizeram. Porém os aluguéis deveriam ter sido tributados por alíquota fixa de 15%, e o Darf, recolhido com código de receita específico.

Marcelo tem rendimentos de aposentadoria oficial (INSS) e previdência privada (um PGBL e um VGBL). Ao sair do Brasil, deixou de comunicar a essas fontes sua nova condição de não residente. Assim, os rendimentos foram tributados na fonte pela tabela progressiva, com código de receita específico para residentes, condição que Marcelo não tem mais. As alíquotas aplicáveis a ele são: 25% sobre a pensão oficial do INSS e sobre o PGBL e 15% sobre os rendimentos do VGBL.

Como os rendimentos de Paula, Diego e Marcelo em 2017 foram tratados como tributáveis e excederam a R$ 28.123,91, eles estavam obrigados a entregar a declaração de ajuste anual do Imposto de Renda. Como entenderam que estavam desobrigados de fazer a declaração, não cumpriram essa obrigação, gerando situação irregular na Receita Federal.

Além da Receita Federal, é conveniente notificar a Justiça Eleitoral. Voto é uma obrigação do brasileiro, seja ele residente ou não, esteja ele no país ou não.

Os brasileiros que mudam para o exterior têm a opção de requerer a transferência do título de eleitor para o país em que estão vivendo, passam a ser atendidos por uma zona eleitoral em Brasília (DF) e continuam obrigados a votar nas eleições para presidente da República.

Já aqueles eleitores que moram no exterior e não fazem a transferência do título continuam obrigados a votar em todas as eleições, devendo comparecer à zona eleitoral onde o título está registrado.

Em ambos os casos, o eleitor que deixar de votar precisa apresentar justificativa. Cada ausência não justificada gera um débito com a Justiça Eleitoral e, caso não regularize essa situação, o eleitor pode ter o título cancelado e situação irregular no CPF.

Daniela não votou nem justificou a ausência, deve regularizar sua situação eleitoral para posteriormente regularizar seu CPF. Paula, Diego e Marcelo terão um pouco mais de trabalho para regularizar a situação perante a Receita e dificilmente farão isso sem a ajuda de um especialista em tributação.

Por fim, vale lembrar que as instituições em que são mantidos conta-corrente e investimentos em ativos financeiros também devem ser notificadas para atualização cadastral e ajuste no perfil da conta. Eventuais restrições (ou não) em relação aos investimentos e custos de manutenção da conta são definidos de acordo com a política de cada instituição financeira.

Esta coluna teve a colaboração da advogada Luciana Pantaroto

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